domingo, 5 de dezembro de 2010

Arte do Blog


O primeiro gelo a gente nunca esquece...

Borges e Nicolau
A água da chuva, dos rios e lagos, das torneiras e dos chuveiros de nossas casas apresenta-se no estado líquido, mas também a conhecemos na forma gasosa, o vapor da chaleira de chá, ou na forma sólida, o gelo que colocamos nos refrescos no verão. Ao solidificar-se a água adquire aspecto vítreo, semitransparente e aumenta de volume, tornando-se menos densa do que a água liquida. Com densidade igual a 0,92 g/cm³, o gelo flutua e seu ponto de fusão é de 0 °C sob pressão de uma atmosfera.

Para encontrar gelo na natureza é necessário que a temperatura desça a níveis inferiores a 0 ºC, o que é raro nas regióes tropicais e equatoriais. Em épocas anteriores à invenção da geladeira parte considerável dos habitantes do planeta jamais teve contato com o gelo, salvo em esporádicas chuvas de granizo.

Gabriel García Marquez narrou, em "Cem anos de solidão", o espanto do primeiro contato com o gelo:

"Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era então tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.

Todos os anos, pelo mês de março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos. (...)

Os meninos (...) teimavam para que seu pai os levasse para conhecer a portentosa novidade dos sábios de Mênfis, anunciada na entrada de uma tenda que, segundo diziam, pertenceu ao Rei Salomão. Tanto insistiram que José Arcádio Buendía pagou os trinta reais e os conduziu até o centro da barraca, onde havia um gigante de torso peludo e cabeça raspada, com um anel de cobre no nariz e uma pesada corrente de ferro no tornozelo, vigiando um cofre de pirata. Ao ser destampado pelo gigante o cofre deixou escapar um hálito glacial. Dentro havia apenas um enorme bloco transparente, com infinitas agulhas internas nas quais se despedaçava em estrelas de cores a claridade do crepúsculo. Desconcertado, sabendo que os meninos esperavam uma explicação imediata, José Arcádio Buendía atreveu-se a murmurar:

- É o maior diamante do mundo.

- Não - corrigiu o cigano. - É gelo.

José Arcádio Buendía, sem entender, estendeu a mão para o bloco, mas o gigante afastou-a. Para pegar, mais cinco reais, disse. José Arcádio Buendía pagou, e então pôs a mão sobre o gelo, e a manteve posta por vários minutos, enquanto o coração crescia de medo e júbilo ao contato do mistério. Sem saber o que dizer, pagou outros dez reais para que seus filhos vivessem a prodigiosa experiência. O pequeno José Arcádio negou-se a tocá-lo. Aureliano, em compensação, deu um passo para diante, pôs a mão e retirou-a no ato. Está fervendo, exclamou assustado. Mas o pai não lhe prestou atenção. Embriagado pela evidência do prodígio, naquele momento se esqueceu da frustração das suas empresas delirantes (...). pagou outros cinco reais e, com a mão posta no bloco, como que prestando um juramento sobre o texto sagrado, exclamou:

- Este é o grande invento do nosso tempo. "

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