terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Mecânica dos fluidos

Hidrodinâmica - Terceira aula

Teorema de Bernoulli

Prof. Paulo Cesar M. Penteado
 
O teorema de Bernoulli, em essência, estabelece que a energia, em um fluxo estacionário, é constante ao longo do caminho descrito pelo fluido. Este teorema não é, portanto, um princípio novo, mas uma relação obtida a partir das leis básicas da Mecânica Clássica.

O teorema de Bernoulli pode ser deduzido a partir do teorema da energia cinética: "O trabalho da resultante das forças agentes em um corpo entre dois instantes é igual à variação da energia cinética experimentada pelo corpo naquele intervalo de tempo."


A figura a seguir mostra um fluido escoando no interior de uma tubulação que se eleva gradualmente desde uma altura h1
até uma altura h2, medidas em relação a um plano horizontal de referência. Na região mais baixa, o tubo tem área de secção transversal S1, e na mais alta, área S2. A pressão do fluido na região inferior do tubo é p1 e na superior, p2.
 

Consideremos, então, o deslocamento da porção sombreada de fluido desde a região mais baixa do tubo até a região mais alta. Nesse deslocamento, a porção de fluido assinalada com hachuras tracejadas permanece invariável.


O trabalho realizado pela força resultante sobre a porção sombreada de fluido é calculado considerando-se que:

• o trabalho realizado sobre a porção de fluido pela força de pressão
p1.S1 é 
p1.S1.Δx1;
• o trabalho realizado sobre a porção de fluido pela força de pressão
p2.S2 é
p2.S2.Δx2 (negativo, pois a força de pressão tem sentido oposto ao do deslocamento da porção fluida);
• o trabalho realizado pela força peso para elevar o fluido desde a altura
h1 até a altura h2 é igual a –m.g.(h2h1) (negativo pois o deslocamento ocorre em sentido contrário ao da força peso).
 

O trabalho resultante realizado sobre o sistema é dado pela soma dos três termos considerados.
 

Assim, temos:

τresultante = p1.S1.Δx1 –  p2.S2.Δx2 m.g.(h2h1)

Mas, observe que S1.Δx1 (= S2.Δx2) corresponde ao volume da porção de fluido considerado e pode ser expresso como a relação entre a massa de fluido e a sua densidade (m/ρ), em que ρ, a densidade do fluido, é suposta constante. Observe também que estamos considerando que o fluido seja incompressível pois admitimos que S1.Δx1 = S2.Δx2.
 

Assim, o trabalho da força resultante sobre o sistema pode ser escrito como: 

τresultante = (p1 –  p2). m/ρ - m.g.(h2h1)

A variação da energia cinética do sistema é dada por:

ΔEc  = [m.(v2)2/2] - [m.(v1)2/2]
 

O teorema da energia cinética estabelece que o trabalho resultante realizado sobre o sistema deve ser igual à variação de sua energia cinética. Temos, então:
x
(p1 –  p2). m/ρ - m.g.(h2h1) = [m.(v2)2/2] - [m.(v1)2/2]
 

Multiplicando-se todos os termos da expressão por ρ/m e rearranjando-se as parcelas teremos, finalmente:

p1 + [ρ.(v1)2/2] + ρ.g.h1 = p2 + [ρ.(v2)2/2] + ρ.g.h2
Teorema de Bernoulli

Como os índices 1 e 2 referem-se a duas posições quaisquer do fluido no tubo podemos suprimi-los e escrever, para qualquer ponto do fluido, que:

p + (ρ.v2/2) + ρ.g.h = constante

Essa relação nos mostra –principalmente– que, em uma canalização horizontal, um estrangulamento implica –pela equação da continuidade– em um aumento na velocidade do fluxo e, consequentemente, em uma diminuição de pressão.
Nessa relação, a soma
p + ρ.g.h é denominada pressão estática (já estudada em Hidrostática) enquanto o termo ρ.v2/2 é a pressão dinâmica, exercida pelo fluido em movimento.

Aplicações do Teorema de Bernoulli

O teorema de Bernoulli pode ser aplicado a um grande número de situações práticas. A seguir, analisaremos as principais aplicações desse teorema em situações do nosso dia-a-dia e também em situações mais técnicas.


O medidor de Venturi
 
Consiste em um medidor que é inserido em uma canalização de secção transversal S para se medir a velocidade de escoamento
v1 de um fluido incompressível, de massa específica ρ, através dela.
Um manômetro, tem uma de suas extremidades inserida num estrangulamento, com área de secção transversal s, e a outra extremidade na canalização de área S. Seja
ρm a densidade do líquido manométrico (mercúrio, por exemplo). Por simplificação, vamos considerar que a tubulação é horizontal. 

  
Pelo teorema de Bernoulli, devemos ter:
p1 + [ρ.(v1)2/2] = p2 + [ρ.(v2)2/2] (I)

Mas, pela equação da continuidade:
S.v1 = s.v2 => v2 = v1.(S/s) (II)

Então, substituindo (II) em (I) teremos: 
p1 –  p2 = ρ/2.[(v2)2 (v1)2] => p1 –  p2 = ρ.[(v1)2/2].[(S/s)2  1] =>
p1 –  p2 = ρ.[(v1)2/2].[(S2  s2)/s2] (III)

A relação de Stevin, da hidrostática, permite obter:
p1 + ρ.g.H = p2 + ρ.g.(H - h) + ρm.g.h => p1 –  p2 = (ρm - ρ).g.h (IV)

Finalmente, substituindo (III) em (IV), chegamos a: 
v1 = s.[2.(ρm - ρ).g.h/ρ.(S2  s2)]

O tubo de Pitot

O tubo de Pitot é um dispositivo utilizado para medir a velocidade de escoamento de um gás –ar, por exemplo. Tal dispositivo está ilustrado na figura a seguir.



As aberturas a são paralelas à direção de escoamento do ar e bastante afastadas da parte posterior para que a velocidade v do fluxo de ar e a pressão fora dela não sejam perturbadas pelo tubo.

Seja pa a pressão estática do ar no ramo esquerdo do manômetro, que está ligado a essas aberturas.
 

A abertura do ramo direito do manômetro é perpendicular à corrente e, em b, a velocidade reduz-se a zero; logo, nessa região a pressão total do ar é pb (maior que pa, como nos mostra a figura).

O teorema de Bernoulli fornece, então:  
pa + (ρ.v2)/2 = pb (I)

A relação de Stevin, aplicada ao líquido do manômetro, fornece:
pa + ρm.g.h = pb (II)

Comparando (I) e (II), obtemos: 
ρ.v2/2 = ρm.g.h => v = (2.ρm.g.h/ρ)

A bomba spray

O esquema abaixo ilustra uma bomba spray (atomizador) do tipo utilizada em frascos de perfume.



A bomba de borracha ao ser comprimida expele o ar, contido em seu interior, a uma alta velocidade. De acordo com o teorema de Bernoulli, a pressão do ar fluindo a alta velocidade através da região superior do tubo vertical é menor que a pressão atmosférica normal atuando na superfície do líquido contido no frasco. Dessa maneira, o líquido é empurrado tubo acima devido à diferença de pressão. Ao atingir o topo do tubo, a coluna líquida é fragmentada em pequenas gotículas (spray).

O empuxo dinâmico em uma bola girante

O empuxo dinâmico também pode ser observado numa bola girante. Tal efeito é bastante explorado no mundo esportivo, principalmente no tênis, no golfe e no futebol. É muito comum no futebol, na cobrança de uma falta com bola parada, a bola, depois de chutada, descrever uma curva e enganar o goleiro.
A figura seguinte mostra as linhas de corrente de um fluido em torno de uma bola que translada sem girar (I), as linhas de corrente em torno de uma bola que apenas gira (II) e a superposição dos dois movimentos (III). Note que o empuxo dinâmico, mostrado em (III), faz com que a bola seja desviada de sua direção original.



O empuxo dinâmico em uma vela

O teorema de Bernoulli também pode explicar como um veleiro pode se deslocar quase que contra o vento. Para melhor entender como isso acontece, observe a figura abaixo.



Quando navegando contra o vento, a vela mestra deve ser posicionada a meio ângulo entre a direção do vento e o eixo do barco (linha da quilha). Assim, a pressão atmosférica normal atrás da vela mestra é maior que a pressão à sua frente, onde a velocidade do fluxo de ar é maior devido ao estreitamento entre a bujarrona e a vela mestra, e isso origina uma força Fvento, conforme mostrado na figura, que impulsiona o barco.

A força resultante no barco, devido ao vento e ao efeito de Bernoulli, atua quase que na perpendicular à vela e isso tenderia a deslocar o barco lateralmente se não houvesse uma porção da quilha estendendo-se verticalmente abaixo da linha d'água, a bolina. A água exerce, então, uma força quase que perpendicular à bolina (
Fágua), ou seja, quase perpendicular à quilha do barco. A resultante dessas duas forças, a força Fresultante, é quase que diretamente dirigida para a frente do barco, de modo que o barco desloca-se contra o vento.


Observação: Deve-se ressaltar que o empuxo dinâmico é diferente do empuxo estático. O empuxo estático corresponde a uma força vertical e dirigida para cima, com intensidade igual ao peso de fluido deslocado e que atua em um corpo imerso em um fluido em repouso, como em um balão por exemplo (Teorema de Arquimedes). O empuxo dinâmico está sempre associado ao movimento relativo entre um corpo  uma vela ou uma bola girante– e um fluido.

Exercícios

Exercício 1:
Água quente circula pela tubulação de um sistema de aquecimento em uma casa. Se a água é bombeada, no térreo, com velocidade de 0,50 m/s através de um cano com 4,0 cm de diâmetro sob pressão de 3,0 atm, determine a velocidade de escoamento e a pressão da água em um cano com 2,6 cm de diâmetro, localizado no andar superior, 5 m acima do térreo.
Considere: g = 10 m/s2,
ρ = 1,0.103 kg/m3 e 1 atm = 1,0.105 N/m2.

Exercício 2:
Um tanque contém água até a altura H; faz-se um orifício na sua parede lateral, à profundidade h abaixo da superfície da água.


Determine:
a) a velocidade v com que a água emerge pelo orifício;
b) o alcance horizontal x do jato d'água ao atingir o piso.


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